A Poesia de Gregório de Matos

A Poesia de Gregório de Matos

A obra poética de Gregório de Matos é vasta, variada, constituída de poesia lírica (religiosa, amorosa) e satírica, em forma de poemas diversos; por exemplo: soneto, quadra, canção, redondilha, quintilha, oitava, décima e romance. Sua influência vinha dos poetas espanhóis Quevedo e Gôngora, sua poesia lírica reflete temas constantes da estética barroca, como a transitoriedade da vida e das coisas, a busca da unidade em meio a diversidade, a preocupação em esclarecer as contradições, que envolvem os sentimentos humanos. Sua poesia lírica se funde no mundo das emoções, o “eu” exprime juízos subjetivos, tais temas são expressos através de técnicas formais frequentes no Barroco como o jogo de antíteses, metáforas, hipérbatos, imagens e símbolos.  No soneto abaixo, percebemos em sua análise, os traços detalhados das características barrocas.


SONETO VII 

Ardor em firme coração nascido! 
Pranto por belos olhos derramado! 
Incêndio em mares de água disfarçado! 
Rio de neve em fogo convertido! 

Tu, que em um peito abrasas escondido, (*?) Tu, que em ímpeto abrasas escondido, 
Tu, que em um rosto corres desatado, 
Quando fogo em cristais aprisionado, 
Quando cristal em chamas derretido. 

Se és fogo como passas brandamente? 
Se és neve, como queimas com porfia? 
Mas ai! Que andou Amor em ti prudente. 

Pois para temperar a tirania, 
Como quis, que aqui fosse a neve ardente, 
Permitiu, parecesse a chama fria. 



Escansão ou Metrificação

Divisão das sílabas poéticas, classificação dos versos.

1º    Ar /dor/ em/ fir/ me /co/ ra /ção/ nas/ cido            A 
1       2       3       4     5      6    7     8       9      102º    Pran /to/ por/ be/ los/ o /lhos /der/ ra/ mado          B 
1       2       3       4     5      6    7     8       9      10
3º    In /cên/ dio em/ ma /res/ de á /gua /dis/ far/ çado  B 
1       2       3              4     5      6          7     8       9         10
4º    Ri/ o /de /ne /ve em /fo /go/ con /ver /tido             A 
1     2     3     4     5           6    7      8       9       10
5º    Tu /que em /um /pei/ to  a /bra /sas/ es/ con/ dido  A 
 1             2       3       4         5      6       7     8       9      10
6º    Tu/ que em/ um /ros /to /cor /res /de /sa/ ta do       B 
 1          2           3       4     5      6    7     8       9      10
7º    Quan/ do /fo /go em/ cris/ tais a/ pri /si/o/ nado     B 
1           2       3        4          5      6          7     8   9      10
8º    Quan/ do/ cris /tal/ em/ cha/ mas/ der/ re/ tido       A 
1            2       3       4     5      6         7     8       9      10
9º    Se és/ fo/ go/ co/ mo/ pas/ sas /bran/ da/ mente      A 
1           2     3       4     5      6       7       8       9      10
10º  Se és/ ne/ ve/ co/ mo/ quei/ mas /com /por/ fia       B 
1           2     3       4     5      6         7         8       9      10
11º  Mas/ ai/ que an /dou A/ mor/ em/ ti /pru/ dente      A 
1         2           3           4        5         6    7     8       9      10
12º  Pois /pa/ ra/ tem /pe /rar/ a /ti /ra /nia                      B 
1         2       3      4     5      6    7   8    9      10
13º  Co /mo/ quis/ que a /qui/ fos /se a/ ne /ve ar/ dente A
1       2        3         4          5      6        7      8       9       10 
14º  Per/ mi/ tiu /pa/ re /ces/ se a/ cha /ma /fria              B 
1       2       3       4    5     6      7       8       9      10

    Classificação dos versos e estrofes:
Estrofes: regulares compostas de dois quartetos e dois tercetos 
Versos: regulares compostos e  com número  de  sílaba s fixo; com  rimas  dissilábicas, trissilábicas e polissilábicas; sendo que o 1º verso é decassílabo sáfico e os demais são decassílabos heroicos.







Análise e interpretação

No soneto VII, observamos um jogo de palavras que nos conduz num ritmo cadenciado, na sonoridade das silabas tônicas e, também, nas rimas interpoladas ou intercaladas nos quartetos e rimas cruzadas ou alternadas nos tercetos, ou seja, ABBA, ABA e BAB. O sujeito-lírico, na sua angústia, nos revela o afeto e as lágrimas, derramadas na ausência da dama a quem queria bem. Os sinais de exclamação tendem a revelar a exaltação ao sofrimento, cujo choro seria o ápice de tal sentimento. Observamos que o sujeito aparece no final do verso (oração). A tônica da primeira parte do soneto está em intercalar a paixão e as lágrimas. A presença da antítese é frequente, pois observamos que proximidade de palavras de sentido contrário que, através das figuras de linguagem com as hipérboles, metáforas paradoxos, não só personalizam a paixão, mas demonstram toda a tensão. Já na segunda parte, ou seja, nos dois tercetos, os versos interrogativos demonstram o conflito, enquanto a revelação do sentimento é destacada com clareza quando o poeta usa letra maiúscula no início da palavra. Observamos, outra vez, o paradoxo, bem como a ambiguidade e o dualismo nos versos finais em que o poeta utiliza as figuras de linguagem com engenhosidade e habilidade. 
             O soneto é composto de versos decassílabos heroicos (sendo o primeiro verso decassílabo sáfico). O poeta apresenta nos dois quartetos o contraste que envolve um sentimento sem o dizer propriamente; no primeiro terceto indaga o porquê de tais contradições e enuncia claramente o sentimento, pois no terceiro verso do primeiro terceto observamos a palavra “Amor” escrita com letra maiúscula dando nomenclatura ao sentimento, ou seja, a personificação do sentimento “Mas ai! Que andou Amor em ti prudente”.  Na conclusão do soneto, observamos a explicação da natureza contraditória do amor. Logo, o tema desse poema lírico é amoroso, que se constrói em termos de oposição, num engenhoso e hábil jogo de palavras contrárias. Na ânsia de exaltar o amor, o poeta o faz através do paradoxo e da antinomia.
            Uma vez descrito esse sentimento conflitante, o poeta passa a investigá-lo racionalmente. Logo, observamos que a emoção é deixada de lado e surge a nova constatação: a prudência, que para suavizar a tirania do próprio Amor; como vimos nos últimos versos do soneto. Mesmo assim, o poeta fixa-se na linha da oposição para retratar o engano entre a realidade e o jogo amoroso. 


A seguir veremos os cinco níveis de análises a ser considerados: nível gráfico, nível fônico, nível lexical, nível sintático e nível semântico.

1.      O Nível Gráfico

Diz respeito à ocupação espacial , onde se verifica a distribuição do poema no branco do papel (estrofação, pontuação, configuração especial do texto).
O poema de Gregório de Matos aqui estudado constitui-se de dois quartetos e dois tercetos, uma estrutura muito famosa e conhecida como soneto. Seus versos são decassílabos heroicos como foi demonstrado na escanção do poema. Para ser chamado de heroico um verso decassílabo precisa ter ritmo marcado na 6a e na 10a. sílabas poéticas.
2.      Nível Fônico

Demonstra como as palavras são observadas a partir de fonemas que as compõe, ensejando, por forma de repetição, uma musicalidade que se relaciona diretamente com o conteúdo do texto. Compõem o nível fônico do texto poético as seguintes figuras de efeito sonoro, baseadas na repetição de fonemas e palavras: rima, aliteração, assonâncias, onomatopeias, paronomásia, antanáclase, refrão. Mas a poesia também tem, ou pode ter melodia e ritmo, obtidos a partir da disposição dos metros dos versos e de seus acentos tônicos.
De acordo com Carlos Felipe Moisés rima é a identidade ou semelhança de som no fim (rima externa) ou do meio (rima interna) dos versos. Embora seja elemento secundário e até mesmo dispensável em alguns casos, a rima e aproveitada pelos poetas para conceder aos versos mais harmonia e encantamento. Rima é um recurso musical que agrada aos ouvidos.
No soneto analisado por este trabalho as rimas são interpoladas ou intercaladas nos quartetos e rimas cruzadas ou alternadas nos tercetos, ou seja, ABBA, ABA e BAB. As rimas nos quartetos são pobres enquanto as rimas nos tercetos são ricas.
- Exemplo de aliteração, marcada pelas consoantes  e S:
Ardor em firme coração nascido! 
Pranto por belos olhos derramado!
 
Incêndio em mares de água disfarçado! 
Rio de neve em fogo convertido!

Podemos ver a musicalidade através das repetições das palavras e das silabas e também na sonoridade da repetição da consoante S e a nasalização pelo uso das consoantes N e M.

Tuque em um peito abrasas escondido, 
Tu, que em um rosto corres desatado,
 
Quando fogo em cristais aprisionado,
 
Quando cristal em chamas derretido.
 

3.      Nível Lexical

O nível lexical analisa o tipo de linguagem, as categorias gramaticais, qual delas predomina e como são empregadas no texto, constatando-se como as palavras contribui para a interpretação do texto. Trata-se de analisar o léxico do texto, verificando de quais palavras ele se compõe. O vocabulário empregado no soneto VII o revela um de nível de linguagem culta, com uso em demasia de substantivos e adjetivos indicando generalização, particularização e caracterização. No terceiro verso do primeiro terceto observamos a palavra “Amor” escrita com letra maiúscula dando nomenclatura ao sentimento, ou seja, a personificação do sentimento, ou seja, a palavra na sua forma substantivada:
 “Mas ai! Que andou Amor em ti prudente”.
4.     Nível Sintático  

É a organização sintática do texto; começando pela pontuação, isto é, o levantamento do tipo de períodos do texto: curtos ou longos; frases ou orações isoladas. Às vezes aparece o paralelismo, ou seja, a mesma construção sintática (mesmo tipo de verbo com mesmo tipo de complemento; combinação semelhante de substantivo e adjetivo; locuções introduzidas pelo mesmo termo etc.), em versos diferentes. Neste soneto observamos a contra posição do adjetivo em relação ao substantivo, os sinais de exclamação tendem a revelar a exaltação ao sofrimento, cujo choro seria o ápice de tal sentimento.
Ardor em firme coração nascido! 
Pranto por belos olhos derramado!
 
Na segunda parte, os dois primeiros versos do primeiro terceto são iniciados com uma condição e terminados por um questionamento: 

Se és fogo como passas brandamente? 
Se és neve, como queimas com porfia?

5.      O Nível Semântico

 É, sem duvida, o nível mais importante da análise poética. Se na leitura de um texto poético o objetivo é construir uma significação, tal leitura deve enfatizar o estudo das relações semânticas que as palavras estabelecem entre si. O estudo dos demais níveis só tem sentido se completado pelo estudo dos aspectos semânticos do texto poético.  (D’ONOFRIO, 1983, p. 89).  Ao tratar dos demais níveis do poema, o aspecto semântico nunca deixou de estar presente. As figuras sonoras, a organização sintática, o vocabulário, o emprego das categorias gramaticais só podem ser analisados tendo-se em vista o sentido global do texto. Sobre a parte semântica deste soneto Gregoriano, podemos dizer que os dois elementos interessantes são: de causa e efeito, ou seja, um perceptível e um oculto e sensível. Há presença de elementos figurativos, o eu lírico expõe seus sentimentos de angustia por amor. No primeiro verso a causa torna-se evidente pela palavra “ardor” localizada exatamente no “firme coração”. O amor aparece como imperceptível como causa e efeito no firme, ou seja, impenetrável coração. Porém, no segundo verso é perceptível no pranto por belos olhos derramado, ou seja, o choro ou o derramar das lágrimas. Podemos destacar as palavras (ardor-incêndio) e (pranto-rio de neve), nos versos seguintes, pois no quarto verso, quando o poeta diz, que o rio de neve em fogo foi convertido, ele volta ao segundo verso na ideia de choro derramado, tornando-se perceptível o efeito de uma causa oculta.  Na conclusão do soneto, observamos a explicação da natureza contraditória do amor. Logo, o tema desse poema lírico é amoroso, que se constrói em termos de oposição, num engenhoso e hábil jogo de palavras contrárias. Na ânsia de exaltar o amor, o poeta o faz através do paradoxo e da antinomia: 

Incêndio em mares de água disfarçado! 
Rio de neve em fogo convertido! 

Quando fogo em cristais aprisionado, 
Quando cristal em chamas derretido 

Se és fogo como passas brandamente? 
Se és neve, como queimas com porfia? 

Como quis, que aqui fosse a neve ardente, 
Permitiu, parecesse a chama fria. 

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